sábado, 5 de abril de 2014

Comunicação e Saúde I - reflexões sobre os desafios no SUS



O texto que se segue é uma pequena reflexão sobre "Comunicação e Saúde: Desafios práticos e conceituais" (caderno Mídia e Saúde Pública - 20 anos do SUS), de Valdir de Castro Oliveira, docente do Programa de Pós-Graduação Strictu Senso de Informação e Comunicação em Saúde, PPGICS/Fiocruz. O recorte do texto aponta para a discussão teórica da comunicação problematizando o estabelecimento de redes de poder e de manutenção de práticas sociais vistas como "verticalizantes", na linha da busca da eficiência do broadcast, que caminham "numa direção contrária ás práticas discursivas horizontalizantes ou dialógicas" (Oliveira, p.12). Isso cria uma relação complexa entre os dois campos, ainda mais quando o campo da saúde toma como base os princípios do Sistema Único de Saúde.
Aliás, deixo registrado a admiração ao professor e ativista da Comunicação em Saúde.

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Ao levar em consideração as características do SUS, que já são conflitantes com o modelo biomédico ou o conceito de saúde da medicina, é importante pensarmos no papel da comunicação e da informação além da sua forma funcionalista. Se pensamos o SUS como um espaço que dá voz aos outros, que propõem um modelo universalizante, integralizante e igualitário (equidade), e que permite o dialogismo social, é importante entender a comunicação e a informação como processos simbólicos, dialógicos, interativos, receptivos à alteridade.

"Ao se propor e efetivar um novo modelo de saúde pelo SUS (universalidade, equidade e integralidade), simultaneamente são constituídos novas demandas teóricas, reflexivas e práticas que irão conformar e definir a performance das intervenções feitas pelas políticas públicas, e pressupõe-se que aconteça o mesmo com os outros campos de conhecimento que giram em torno do campo da saúde" (OLIVEIRA, pg 14)

Nesse sentido, é preciso repensar as práticas de comunicação atreladas ao SUS. Se há a preocupação
em obter um rendimento "eficiente" na transmissão de mensagens, limitando as possibilidades de participação e até negociação de sentidos pelo público-alvo (termo que contrapõe ao sentido de interlocutor), então não se atinge a necessidade de dimensionar a comunicação como prática dialógica, baseada na alteridade e na interação.

"Essa questão se torna imperativa para se pensar o binômio Comunicação & Saúde e, consequentemente, se pesquisar, avaliar e propor modelos comunicacionais e informacionais condizentes com a proposta de inversão do modelo de saúde" (OLIVEIRA, pg 15)

Para entender os processos de participação e mobilização social na área da saúde, é importante se pensar nos rituais da participação e como eles se tornam visíveis para os diversos atores e públicos da mobilização e como funcionam as barreiras simbólicas impostas pela hierarquia social nesse processo, dificultando ou impedindo a participação popular nas políticas públicas da saúde (ou do dia-a-dia). De certo, infelizmente, as instâncias de participação popular não existem ou funcionam fora de práticas discursivas constituídas por diferentes modos de produção, circulação e recepção de bens simbólicos, impedindo a formação e estabelecimento de redes internas e externas de comunicação e informação.

Paulo Freire, como lembra OLIVEIRA, pensava nos processos de comunicação que levam em conta a presença ativa e curiosa dos sujeitos na construção, admiração e readmiração do mundo (de um mundo que não fosse estranho a eles - alienação). Para isso, defende que a comunicação verdadeiramente democrática e passível de tornar o homem responsável pelo seu próprio destino, e capaz de problematizar o mundo, se dê por meio da relação dialógica em que "todo ato de pensar exige um sujeito que pensa, um objeto pensado, que mediatiza o primeiro sujeito, e a comunicação entre ambos, que se dá entre signos linguísticos" (FREIRE, 1971)

"Dessa reflexão, podemos deduzir que o exercício da participação popular e do controle público (que envolve a participação) só pode ocorrer em um determinado campo cultural ou político em que existam informações disponíveis e a capacidade dos atores sociais que ali atuam em interpretar e atribuir novos sentidos a elas (alteridade), o que contraria a ideia da teoria instrumental da comunicação e da informação. O pressuposto é o de que os indivíduos são capazes de transformar determinados estímulos informacionais e comunicacionais em formas cognitivas, tanto para conhecer a realidade que os cerca quanto para agir sobre ela, o que gera uma forma particular de percepção sobre os acontecimentos que ocorrem nesse ambiente" (OLIVEIRA, pg 17).

Na conclusão, OLIVEIRA propõe converter os conceitos de polifonia e interlocução como métodos de pesquisa. E claro, aponta para a necessidade de se produzir condições para que as informações que circulam sejam fator de mudanças que vão permitir o diálogo social.



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Referências:

OLIVEIRA, V. C. Comunicação e Saúde: Desafios práticos e conceituais. In Caderno Mídia
e Saúde pública: 20 anos do SUS e 60 anos da Declaração Universal dos Direitos
Humanos. Belo Horizonte: ESP MG, 2008. p. 11-22. Acesso em http://www.esp.mg.gov.br/wp-content/uploads/2009/06/caderno-midia-e-saude-publica-3.pdf

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